Sobre ternos cor-de-rosa e participação política

* Por Juvenal Azevedo, fundador e diretor da JAC

A força da Revolução Criativa no Brasil no começo dos anos sessenta foi tanta e seus efeitos tão duradouros (veja neste blog o artigo “A revolução criativa no Brasil”) que, no final dos anos sessenta e no começo dos anos setenta, seus efeitos ainda continuavam firmes e fortes.
E isso acabou se manifestando também nas roupas que os publicitários (especialmente o pessoal da criação) vestiam.
Washington Olivetto, que em recente entrevista ao editor do portal Jornalirismo, Guilherme Azevedo, falou que usava cabelos longos e camiseta regata em pleno governo Médici, já tinha pego a “revolução da roupa dos criativos” em pleno andamento, uma vez que, de uma hora para outra, como se fosse uma combinação orquestrada (e garanto que não foi), subitamente quase todos os redatores e diretores de arte (a exceção ficava por conta de caras como o Hans Dammann, criativo no trabalho mas um conservador em quase tudo mais) passaram a abolir o tradicional terno e gravata, substituindo-os por jeans ou calças de modelo mais esportivo e camisas igualmente esportivas, sendo o jacarezinho da Polo um campeão de audiência.
Foi provavelmente uma influência trazida pelo Pasquim, que influenciou também a linguagem em nosso advertising, que já era também muito influenciada pelo Sérgio Porto, o admirável Stanislaw Ponte Preta.
Nesse contexto de anticonformismo que se vivia naquele período negro dos anos de chumbo, usava-se também a vestimenta como forma, digamos, de protesto, e eu, como tantos outros criativos, cheguei até a mandar fazer um terno cor-de-rosa, que devo ter usado três ou quatro vezes no máximo: numa entrega de prêmios do Clio, idem do Prêmio Colunistas e na inauguração da nova fábrica da Dynapac, um cliente sueco cujo diretor comercial, apesar de ser também da terra dos vikings, era bastante conservador e minha intenção foi chocá-lo, porque ele havia cometido a ousadia de me pedir para ir à cerimônia de inauguração de terno. E eu, com minha cara mais inocente e o cabelo com o comprimento na altura dos ombros, lhe disse que iria mandar fazer um terno especialmente para aquela ocasião. O que fez o sueco erguer as sobrancelhas, certamente temendo pelo que viria.
E não deu outra: na presença do ministro dos Transportes e de outras autoridades, entre as quais o comandante do II Exército, que era sediado em São Paulo, naquele mar de ternos azuis e cinza-chumbo, o meu terno cor-de-rosa se destacava, brilhava, berrava, levando o ministro dos Transportes, cujo nome creio que nunca fiquei sabendo, a não conseguir deixar de me fitar durante praticamente todo o seu discurso. O homem dizia duas ou três palavras, circunavegava o olhar pelo salão mas logo voltava a me fitar. Era um ponto de atração irresistível...
Bem, mas o uso da vestimenta como um ajudante demolidor de costumes caretas tinha evidentemente uma contrapartida no campo político, onde nos comportávamos de maneira politicamente correta, abraçando as causas da anistia e a participação em episódios negros da nossa história, como foi o caso da tortura e assassinato do Vladimir Herzog pelas forças repressivas da ditadura, que teve o anúncio da missa ecumênica na Catedral da Sé feito em nome do Clube de Criação de São Paulo com o nome de outras entidades apoiadoras, como a Congregação Israelita, a OAB, o Sindicato dos Jornalistas etc. etc.
Foi ainda o Clube de Criação a primeira entidade a apoiar a anistia aos exilados políticos e depois a condenar os atentados a bancas de jornais que vendiam publicações de oposição ao governo e ao episódio das bombas do Riocentro, em anúncios que, se não tinham excepcional brilho criativo, tinham uma mensagem clara de defesa dos ideais democráticos.
Bem, nossos cabelos longos, nossas roupas extravagantes, tinham não apenas a intenção de chocar, como se dizia, “pour épater les bourgeois”, mas eram o complemento de uma rebeldia que usava os recursos que nos eram permitidos para podermos participar politicamente numa época de forte e armada repressão policial.
Aos anos de chumbo contrapúnhamos o amor, o sorriso e a flor. Principalmente o sorriso.

Um comentário:

  1. Esto contento ler esto blog e que o Dynapac do Brasilainda fiqou no seu memoria e especialmente este wiking frio con so ternos cincas de chumbo na cabeca.
    Me perdone o mal portuguese e felicidade por seu carrier!
    Ex. diretor comercial do Dinapac do Brasil
    Mats Rockstrom

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